quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Todo Carnaval Tem Seu Fim


Ao fundo uma música tristonha tocava enquanto ela colova as últimas peças do armário dentro da mala cor-de-rosa. Estava atrasada para pegar o ônibus, mas deu tempo de deixar um bilhete embaixo do copo com flores. Verificou o horário ao mesmo tempo em que seu olhar confirmou que nada ficara para trás. De chinelo no pé e vestido rodado no corpo, desceu as escadas, passou pela pequena sala de jantar e saiu pelos fundos, ligeira tal qual um vento frio. Aquela moça não se importava com o que diziam ser "bons modos" ou coisas do tipo. Na verdade, odiava despedidas como Garfield a segunda-feira. Ela já tinha atravessado a rua quando, lentamente, a porta se fechava e ainda era possível ouvir os ecos da canção pela fresta.

Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco
Toda escolha é feita por quem acorda já deitado
Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado
E pinta o estandarte de azul
E põe suas estrelas no azul
Pra que mudar?

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Pernambuco, imortal, imortal

No carnaval meu coração foi pra Pernambuco. Ele se dividiu em várias partes e está passeando pelo Galo da Madrugada, se perdendo pelas ruas do Recife Antigo, se vestindo de Papangu em Bezerros e subindo e descendo as ladeiras de Olinda. E já que eu fiquei, aqui vai a minha homenagem carnavalesca:


Voltei Recife
Luis Bandeira

Voltei, Recife
Foi a saudade Que me trouxe pelo braço

Quero ver novamente Vassoura
Na rua abafando
Tomar umas e outras
E cair no passo

Cadê Toureiros?
Cadê Bola de Ouro?
As Pás, Os lenhadores
O Bloco Batutas de São José?

Quero sentir
A embriaguês do frevo
Que entra na cabeça
Depois toma o corpo
E acaba no pé

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Lutador

"The only place I get hurt is out there. The world don't give a shit about me"


Paradoxalmente indigesto, impressionante e belo. Mickey Rourke irreconhecível e perfeito.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

De filha para pai


Quando a sorridente Maddy tinha 9 anos resolveu que entrevistaria um escritor especial. Para a maioria das crianças isso seria algo um tanto quanto complicado. Mas não para ela. O tal escritor era especial, acima de tudo, por ser seu pai, que, digamos, não é assim qualquer pai. Pela foto vocês já devem ter percebido se tratar de Neil Gaiman. E não é que mesmo com a pouca idade a garotinha se saiu muito bem na entrevista. Clique aqui para ouvir os Gaiman nesta conversa.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

De Carlos Drummond de Andrade

O Elefante


Fabrico um elefante

de meus poucos recursos.

Um tanto de madeira

tirado a velhos móveis

talvez lhe dê apoio.

E o encho de algodão,

de paina, de doçura.


A cola vai fixar

suas orelhas pensas.

A tromba se enovela,

e é a parte mais feliz

de sua arquitetura.

Mas há também as presas,

dessa matéria pura

que não sei figurar.

Tão alva essa riqueza

a espojar-se nos circos

sem perda ou corrupção.

E há por fim os olhos,

onde se deposita

a parte do elefante

mais fluida e permanente,

alheia a toda fraude.


Eis meu pobre elefante

pronto para sair

à procura de amigos

num mundo enfastiado

que já não crê nos bichos

e duvida das coisas.

Ei-lo, massa imponente

e frágil, que se abana

e move lentamente

a pele costurada

onde há flores de pano

e nuvens, alusões

a um mundo mais poético

onde o amor reagrupa as formas naturais.


Vai o meu elefante

pela rua povoada,

mas não o querem ver

nem mesmo para rir

da cauda que ameaça

deixá-lo ir sozinho.

É todo graça, embora

as pernas não ajudem

e seu ventre balofo

se arrisque a desabar

Ao mais leve empurrão.


Mostra com elegância

sua mínima vida,

e não há na cidade

alma que se disponha

a recolher em si

desse corpo sensível

a fugitiva imagem,

o passo desastrado

mas faminto e tocante.


Mas faminto de seres

e situações patéticas,

de encontros ao luar

no mais profundo oceano,

sob a raiz das árvores

ou no seio das conchas,

de luzes que não cegam

e brilham através

dos troncos mais espessos.


Esse passo que vai

sem esmagar as plantas

no campo de batalha,

à procura de sítios,

segredos, episódios

não contados em livro,

de que apenas o vento,

as folhas, a formiga

reconhecem o talhe,

mas que os homens ignoram,

pois só ousam mostrar-se

sob a paz das cortinas

à pálpebra cerrada.


E já tarde da noite

volta meu elefante,

mas volta fatigado,

e as patas vacilantes

se desmancham no pó.

Ele não encontrou

o de que carecia,

o de que carecemos,

eu e meu elefante,

em que amo disfarçar-me.

Exausto de pesquisa.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O mundo secreto de Caroline


— Não, é CORALINE. Meu nome é Coraline Jones e, não, Caroline!
— Desculpe, menininha, me embaralhei com as letras.

Estava curiosa para ver a adaptação de "Coraline" (Neil Gaiman) para o cinema. E, mais uma vez, o trabalho do diretor Henry Selick ("O Estranho Mundo de Jack") emocionou e, por alguns momentos, me fez voltar à ingenuidade da infância. O colorido contraposto pelo ar nebuloso de algumas cenas deu uma pitada a mais de beleza e vida à história de Gaiman.

A Coraline do filme é a mesma do livro, com alguns acréscimos de impaciência, rebeldia e menos gotas de doçura. Porém, continua encantadora e curiosa. Mas confesso que senti falta de um gato mais blasé e rabugento.

O pai de Coraline estava em casa. Tanto seu pai quanto sua mãe trabalhavam fazendo coisas no computador, ou seja, ficavam bastante tempo em casa. Cada um tinha seu próprio estúdio.
— Olá, Coraline — saudou ele sem se virar quando ela entrou.
— Mmm — murmurou Coraline. — Está chovendo.
— É — disse o pai. — Está caindo um pé d´água.
— Não — disse Coraline. Está apenas chovendo. Posso sair?
— O que sua mãe acha?
— Ela disse: você não vai sair com um tempo desses, Coraline Jones.
— Então, não.
— Mas quero continuar minha exploração.

"Coraline e o Mundo Secreto" estreia nesta sexta-feira (13).

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A ilha


Viajando com a família pelo litoral, o pai de Terê olha para a garota e diz:
— Filhinha, agora você vai conhecer uma ilha. Está enxergando aquela porção de terra envolta pelo mar bem ali ao fundo?
— Estou, respondeu prontamente.
— Então, aquilo é uma ilha. É para lá que estamos indo.
— Mas, pai, cadê o coqueirinho?


Para ler a matéria sobre a curiosa ilha acima, clique na foto.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Mistureba

Aquela Chapeuzinho decidiu, de supetão, ser diferente. Passou pelo Lobo sem medo, deixou de lado sua cestinha e foi passear em outra floresta. Agarrou bem forte a mão de Manuel Bandeira e saiu cantarolando:

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha falsa e demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Sobre batatas e músicas


A chuva caía e as batatas e o bife à milanesa já tinham feito a minha alegria do domingo. Mas ainda faltava alguma coisa. Desde a última vez em que estive no "La Frontera" uma frase troncha não saía da minha cabeça e, mais uma vez, precisei abrir o cardápio para lembrá-la.

Las fronteras
se mueven como
las banderas

Achei aquilo forte e lindo. Na primeira parada em frente ao computador, fui pesquisar sobre o tal Jorge Drexler que assinava o trecho. Foi aí que tive duas surpresas. A primeira foi encontrar o clipe (hilário) de "Frontera", música de onde veio a frase. Bem ao cotrário do contexto que imaginava estar aquelas palavras, mas não menos divertido:



A outra coisa foi descobrir que o uruguaio Jorge Drexler é o mesmo cara que compôs "Al Otro Lado del Río", música-tema de "Diários de Motocicleta"(2004), vencedora do Oscar de melhor canção original em 2005.

E foi entre batatas e ao som destas músicas que o domingo, sem chuva, terminou.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O indizível mundo de Salinger


Lá pelos meus 13, 14 anos eu li "O Apanhador no Campo de Centeio". O livro, que tinha sido do meu pai, estava todo estropiado e cheio de grifos, o que já me fez ficar mais interessada. O fato é que me encantei pelo jeito como o misterioso J.D. Salinger narrava a vida do jovem Holden Caulfield. Terminado esse, ganhei um presente, era uma outra obra do escritor.

Quando abro o embrulho uma surpresa: "Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira e Seymor, uma Apresentação". O nome, no duro, como costumava dizer Caulfield, me deixou curiosa e intrigada. Eu mal sabia que a maior surpresa viria algumas páginas à frente.

Se ainda existe no mundo alguém que leia só por prazer - ou até mesmo por acidente -, peço a ele ou a ela, com indizível afeto e gratidão, que divida em quatro partes iguais a dedicatória deste livro com minha mulher e meus dois filhos.

Indizível soou com estranhamento para mim naquela época, assim como o universo de Salinger. Tanto que nunca me esqueci dessa palavra que traduz exatamente aquilo que não se pode dizer. E foi ali, também, que comecei a gostar das dedicatórias de livros.

Na Revolutionary Road

E depois daquela longa dança o sonho acabou, mas não o amor.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Água o amor não é

Corridinho

O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.

O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.

Adélia Prado


Clique na imagem e você poderá ver outras tantas igualmente belas, diretamente do Flickr da autora, a designer Anna Cunha.