terça-feira, 31 de março de 2009

Simplesmente Feliz

O olhar era preocupado e os passos apressados. Nos braços, carregava um segredo pesado e extraordinário que fazia sua cabeça doer aos sábados.

Quando perdeu sua bicicleta de estimação sentiu-se plena. Era uma mulher bonita, embora tivesse lá algumas esquisitices, como gostar da palavra "estrambólico."

Era rodeada por culpas e vivia repetindo "me perdoe" a qualquer um. Não acho que tivesse motivos para tanto, em todo caso ela gostava disso.

Não tinha paciência para ouvir música e odiava feijão. Preferia as comidas insossas. Doces? Só de vez em quando.

Raridade era sair ao sol, o sorriso se abria mesmo era para os dias cinzentos e noites chuvosas sem estrelas.
Mas, na verdade, talvez não fosse triste.

Para conhecer mais gravuras do artista plástico Cadjoo, dê um pulinho no Cenas do Crime.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Diga trinta e três


Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.

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— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Manuel Bandeira

quinta-feira, 12 de março de 2009

terça-feira, 10 de março de 2009

Para pintar de cores um dia cinza e chato...


...e para ilustrar algo que li sobre ele, o tal do amor.

Ainda não sei direito o que estou achando de "Carta a D. - História de um Amor", do filósofo André Gorz. Mas outro dia vi num blog duas definições sobre o amor, esse sentimento tão indizível ou sem tradução mesmo e, então, fiquei pensando em como eu o explicaria caso alguém me perguntasse. Eis que chego na página 20 e encontro algo bem bonito e direto:

“O amor é o fascínio recíproco de duas pessoas por aquilo que elas têm de menos dizível, de menos socializável; de refratário aos papéis e imagens delas mesmas que a sociedade lhes impõe; aos pertencimentos culturais."


(Clique na imagem para conhecer mais trabalhos de Hollis Brown Thornton)

quarta-feira, 4 de março de 2009

Às pedras


Na falta do bendito tempo, que se contrapõe aos tempos sem inspiração e que, coincidentemente, se cruzam aos obstáculos, sejam os de matéria mineral sólida ou os invisíveis, ainda bem que existe a poesia. Ainda bem.


No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra

Carlos Drummond de Andrade