sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

De Carlos Drummond de Andrade

O Elefante


Fabrico um elefante

de meus poucos recursos.

Um tanto de madeira

tirado a velhos móveis

talvez lhe dê apoio.

E o encho de algodão,

de paina, de doçura.


A cola vai fixar

suas orelhas pensas.

A tromba se enovela,

e é a parte mais feliz

de sua arquitetura.

Mas há também as presas,

dessa matéria pura

que não sei figurar.

Tão alva essa riqueza

a espojar-se nos circos

sem perda ou corrupção.

E há por fim os olhos,

onde se deposita

a parte do elefante

mais fluida e permanente,

alheia a toda fraude.


Eis meu pobre elefante

pronto para sair

à procura de amigos

num mundo enfastiado

que já não crê nos bichos

e duvida das coisas.

Ei-lo, massa imponente

e frágil, que se abana

e move lentamente

a pele costurada

onde há flores de pano

e nuvens, alusões

a um mundo mais poético

onde o amor reagrupa as formas naturais.


Vai o meu elefante

pela rua povoada,

mas não o querem ver

nem mesmo para rir

da cauda que ameaça

deixá-lo ir sozinho.

É todo graça, embora

as pernas não ajudem

e seu ventre balofo

se arrisque a desabar

Ao mais leve empurrão.


Mostra com elegância

sua mínima vida,

e não há na cidade

alma que se disponha

a recolher em si

desse corpo sensível

a fugitiva imagem,

o passo desastrado

mas faminto e tocante.


Mas faminto de seres

e situações patéticas,

de encontros ao luar

no mais profundo oceano,

sob a raiz das árvores

ou no seio das conchas,

de luzes que não cegam

e brilham através

dos troncos mais espessos.


Esse passo que vai

sem esmagar as plantas

no campo de batalha,

à procura de sítios,

segredos, episódios

não contados em livro,

de que apenas o vento,

as folhas, a formiga

reconhecem o talhe,

mas que os homens ignoram,

pois só ousam mostrar-se

sob a paz das cortinas

à pálpebra cerrada.


E já tarde da noite

volta meu elefante,

mas volta fatigado,

e as patas vacilantes

se desmancham no pó.

Ele não encontrou

o de que carecia,

o de que carecemos,

eu e meu elefante,

em que amo disfarçar-me.

Exausto de pesquisa.

2 comentários:

Jane Abrita disse...

Estou degustando seu blog aos poucos, maravilhada!Acabei de achá-lo e com certeza merece ser favoritado!
Parabens e um abraço!

Ana Elisa Faria disse...

Muito obrigada, Jannie!
Seja bem-vinda por aqui sempre, viu?

Um abraço!